segunda-feira, 15 de maio de 2017

Primeira palhaça negra do Brasil

 Maria Eliza Alves dos Reis (Palhaço Xamego)


 “Negra, pequenina, um metro e meio de muita força e coragem. Coragem essa que foi testada para enfrentar o racismo e o machismo de sua época. Nasceu na primeira década do século 20. Força tamanha que a fez enfrentar a perda de sete filhos ainda pequenos e ainda assim ter toda alegria para criar um casal de rebentos muito amados: um músico, guitarrista do cantor Roberto Carlos por 40 anos, meu tio, Aristeu Alves dos Reis, e uma jornalista, Daise Alves dos Reis Gabriel, minha mãe.
“Na vida, niña, o que vale é saúde. O resto é bolacha!”
Esse foi um dos ensinamentos de Maria-Xamego, tanto para minha mãe, quanto para mim, misturando na frase o espanhol de sua mãe, a bisavó Brígida, que nasceu no Uruguai.Em 1942, elas voltaram para São Paulo e minha avó se casou com o Avô Eurico. Um homem apaixonado, que fugiu com o circo. Nesse período meu tio-avô, Tio Toninho, palhaço Gostoso,  que era a grande estrela do Circo Guarani, teve um problema sério de saúde: uma doença degenerativa que o fez amputar as duas pernas. Da necessidade de se ter um palhaço substituto, nasceu o Xamego. E o que no princípio era um papel provisório acabou  durando 50 anos.
Não foi fácil. Mulheres não se vestiam de palhaço na época. A ideia de rir de uma mulher – difícil de aceitar ainda na nossa sociedade atual –  não agradava naqueles tempos. Foi preciso que minha avó convencesse meu bisavô. E de um jeito tradicional de circo, com o famoso “faz me rir”. Minha avó contava que vestiu uma roupa engraçada, soltou seu cabelo crespo que ficava bem armado e colocou um chapeuzinho bem pequenino na cabeça. Engraçada que era, conseguiu fazer com que meu bisavô turrão se divertisse. E o palhaço Xamego ganhou corpo!
O Xamego tinha participação em quase todos os números: na entrada com o parceiro, apresentando os filhos acrobatas, os irmãos Alves, trabalhando nas comédias e entrando no número dos malabaristas para fazer truques errados.
O seu tipo principal era matreiro e gozador, o oposto do parceiro, meu avô, que fazia a linha inteligente, séria, mas que sempre caía nas armadilhas do Xamego. E isso encantava muito as mulheres da plateia.   E havia muitas apaixonadas pelo Xamego. No final do espetáculo, elas esperavam, queriam vê-lo sem maquiagem. Minha mãe dizia ainda que foram várias as vezes que recebeu bilhetinhos para serem entregues para ele. Imagina!
Normalmente o Circo ficava em temporada nas praças, nome dado aos locais onde se apresentavam. E só no último dia de espetáculo que o mistério era desvendado: minha avó  tirava a cabeleira e se apresentava como mulher. Era uma “choradeira” das fãs apaixonadas. 
Muitos registros do Circo Guarani foram perdidos. Numa briga de família, minha tia-avó queimou fotos e documentos. Recentemente, em busca de mais detalhes da nossa história encontramos um livro chamado Terceiro Sinal, de autoria de Dirce Militello. Lá, há um capítulo chamado O palhaço que conta as impressões da escritora sobre o Circo da minha família. E há um momento muito bonito em que ela diz ter ficado fascinada ao ver o Xamego, ainda maquiado, num intervalo de cena,  amamentando uma criança: meu tio Aristeu. Sobre este episódio:

“A foto que não foi batida, que ficou dentro dos olhos e ainda vejo quando rebusco dentro de mim nos meus velhos guardados. O palhaço amamentando o filho que chorava! No camarim, o menino chorava, ela o amamentava mesmo sem tirar a maquiagem e trocar de roupa. Lá fora muita gente esperava, querendo conhecer o simpático palhaço, principalmente as moças. Engraçado como as moças se apaixonam pelos palhaços, mesmo sem conhecer o rosto… O rosto é que desperta mais atenção primeiro, talvez a curiosidade por saber quem está por trás daquela maquiagem! ou mesmo pela necessidade de sorrir!”.” 
- Relato da neta Mariana Gabriel, palhaça Birota.



Fonte: http://todosnegrosdomundo.com.br/minha-avo-era-palhaco-documentario-que-conta-a-historia-da-primeira-palhaca-negra-do-brasil-sera-lancado-hoje/

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